Votorantim: Dívida de mais, lucro de menos

size_590_votorantim-cimentosAntes conhecido por seu conservadorismo, o Grupo Votorantim vive uma inédita combinação de dívida alta e prejuízo. À frente, um ano decisivo para virar o jogo

São Paulo – Em 84 anos de vida, o empresário Antônio Ermírio de Moraes, um dos donos doGrupo Votorantim, nunca escondeu sua aversão a dívidas e a bancos. Desde que começou a dar as cartas no conglomerado fundado por seu avô, o português Antônio Pereira Ignácio, ele decidiu que usaria o próprio caixa da empresa para fazer investimentos. Seu conservadorismo financeiro começou por um misto de pragmatismo e superstição.

Em 1956, logo depois de fundar a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), ele teve de contrair empréstimos que equivaliam a 16 meses de faturamento. No mesmo período, sofreu um acidente ao visitar a unidade e, queimado por soda cáustica, ficou um mês de cama. A experiência ajudou a sedimentar em sua cabeça a obsessão por conduzir o Grupo Votorantim da forma mais conservadora possível.

Quando ele deixou a presidência do conselho de administração e entregou o comando do conglomerado aos filhos e sobrinhos, em 2001, a dívida não chegava a uma vez a geração de caixa total do grupo.

O contraste com a situação atual impressiona. Hoje, a dívida da Votorantim Industrial soma 18,4 bilhões de reais e equivale a 3,6 vezes sua geração de caixa. Está perigosamente perto do limite estabelecido pelas agências de classificação de risco — de quatro vezes. O grupo, que atualmente tem negócios tão diversos quanto uma cimenteira, uma fabricante de papel, um banco e uma processadora de suco de laranja, ainda é um fenômeno em termos de geração de caixa: foram mais de 5 bilhões de reais em 2012. Mas seu faturamento está no mesmo patamar de cinco anos atrás. E o lucro minguou.

Segundo os cálculos de três analistas ouvidos por EXAME, o Grupo Votorantim deve anunciar em maio que teve um prejuízo de 900 milhões de reais em 2012 (somando negócios industriais e financeiros). Será o primeiro prejuízo desde que o conglomerado começou a divulgar seus resultados, em 2006, e, de acordo com os mesmos analistas, provavelmente o primeiro ano no vermelho na história da holding Votorantim. Como os últimos 12 anos mudaram tanto a situação de um conglomerado quase centenário? E por que a receita do grupo está estacionada enquanto a dívida só faz crescer?

A chegada da terceira geração ao comando da Votorantim trouxe um estilo de gestão mais afeito ao risco. Carlos, filho de Antônio Ermírio que ficou dez anos à frente da holding e morreu em 2010, e José Roberto, atual presidente do conselho, encabeçaram a mudança. Para essa geração, a gestão conservadora de seus pais e tios não fazia sentido no século 21.

A alavancagem era necessária para o crescimento dos negócios — e para impulsionar o plano de internacionalização que o grupo levou a campo nos últimos anos. Antônio Ermírio de Moraes preferia concentrar seus investimentos no Brasil. Mas só nos últimos dois anos o grupo fez quatro aquisições no exterior, como a mineradora peruana Atacocha e fábricas da cimenteira portuguesa Cimpor.

Até o mercado de suco de laranja está em baixa — no ano passado, a cotação caiu 42%, movimento parcialmente revertido neste ano. O estoque de suco brasileiro triplicou no período e a demanda só cai (os Estados Unidos reduziram em 25% o consumo em sete anos). Os efeitos da crise de 2008, ano em que o grupo escapou do prejuízo por muito pouco, ainda se fazem presentes.

Naquela época, a VCP, empresa de celulose do grupo, anunciou perdas de 2 bilhões de reais com operações de derivativos financeiros. Nos últimos dois anos, a Fibria (que nasceu com a fusão da VCP com a Aracruz, em 2009) renegociou com credores duas vezes. O prejuízo da empresa em 2012 foi de 698 milhões de reais. A recente desvalorização do real também atrapalha. Mais de metade das dívidas do grupo industrial está atrelada ao dólar e encareceu com a alta de 9% da moeda americana no ano passado.

Em anos anteriores, sempre que as indústrias do grupo passaram por apertos, o banco Votorantim compensou as perdas. Mas, em 2012, o banco não só não ajudou como jogou contra. Sozinho, teve prejuízo de 2 bilhões de reais. O principal motivo foi o aumento da inadimplência em financiamentos de veículos concedidos entre 2010 e 2011.

A instituição aproveitou o boom do mercado nos últimos anos para ser mais agressiva na concessão de empréstimos. A inadimplência disparou. Os custos também eram excessivos — a bonificação de executivos foi caracterizada a EXAME como “exorbitante” por um alto executivo do Banco do Brasil, que comprou metade do capital em 2009. No fim de 2011, o BB assumiu o comando do banco e iniciou uma série de mudanças, que incluem redução de custos, novos modelos de análise de risco e troca de profissionais.

Ano decisivo

Empresas de commodities estão habituadas ao vaivém dos preços. É do jogo. No caso da Votorantim, assim como as cotações caíram nos últimos anos, será natural que voltem a subir daqui em diante, o que melhorará os resultados. Mas o tamanho da dívida do grupo faz com que seus executivos não possam se dar ao luxo de esperar por esse momento. É isso que faz de 2013 um ano crucial.

De acordo com os cálculos da agência de classificação de risco Standard & Poors, caso a margem operacional fique abaixo de 20% (está em 20,6%), o índice de endividamento pode chegar a quatro vezes a geração de caixa até o fim do ano — o que ocasionaria, ainda segundo a agência, um rebaixamento da nota de risco da Votorantim Industrial. A consequência seria crédito mais caro e desconfiança de investidores. A empresa reconhece as dificuldades.

“Nossa melhor estimativa é que voltemos aos níveis de endividamento do grupo de 2011, mas, com toda a volatilidade de metais e a variação do real, ainda é cedo para dizer”, afirmou, em teleconferência com analistas no dia 8 de março, João Miranda, diretor financeiro da Votorantim Industrial, companhia presidida pelo executivo Raul Calfat. A montanha de dinheiro guardada no caixa do grupo tem sido suficiente para segurar parte da ansiedade dos investidores.

“A dívida é alta, mas o grupo tem 7 bilhões de reais em caixa. Num cenário quase impossível, se todos os bancos pararem de emprestar, eles conseguirão arcar com as dívidas que vencem nos próximos quatro anos”, diz Ivan Bernardes, analista de renda fixa do banco Barclays.

Para não perder essa tranquilidade,  o grupo montou um plano de recuperação que envolve os cinco negócios com resultados decepcionantes. No ano passado, a Fibria vendeu fábricas e florestas avaliadas em 615 milhões de reais. A Votorantim Metais passa por um choque de gestão com a chegada de Tito Martins. O executivo, que ficou na Vale por 27 anos, assumiu a companhia em outubro.

No ano passado, a empresa trocou diretores e gerentes e reduziu cargos, economizando 20 milhões de reais em custos fixos. O grupo também vem se desfazendo de negócios considerados estratégicos até pouco tempo. Em novembro de 2011, vendeu a fabricante de resinas Nitro Química e sua fatia na siderúrgica Usiminas. Em paralelo,  terminou, em dezembro, os testes na laminadora Sitrel, em Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, para aumentar a venda para a construção civil no Centro-Oeste. No banco, a ideia é vender um novo lote de ações para o Banco do Brasil (veja quadro na pág. 66).

Hoje, a maior esperança do grupo Votorantim é sua empresa de cimentos. O objetivo da família é colocar o grupo entre os cinco maiores produtores mundiais — atualmente é o 13o. A Votorantim Cimentos recebeu 50% dos 3 bilhões de investimentos do conglomerado no ano passado.

Abertura de capital

“É onde estão os melhores resultados do grupo”, diz Barbara Mattos, analista da agência de classificação de risco Moody’s. A participação da unidade na geração de caixa do grupo passou da média histórica de 45% para 60% em 2012. Para aumentar sua capacidade, o grupo construiu duas novas fábricas em 2012, que vão começar a produzir a plena capacidade neste ano. No Brasil, a demanda de cimento continua crescendo, mesmo com a desaceleração do mercado imobiliário. O preço médio subiu 4% em 2012.

Como sinal de que o grupo vive de fato um momento emblemático, a família Ermírio de Moraes iniciou um processo que, até pouco tempo atrás, era impensável: a abertura de capital da Votorantim Cimentos. A ideia é vender na bolsa de 20% a 30% das ações e levantar cerca de 6 bilhões de reais em uma oferta coordenada pelos bancos JP Morgan, Itaú BBA e Banco do Brasil (procurados, os bancos não comentam). A oferta pode acontecer ainda neste ano.

É o tipo de passo que era rechaçado há pelo menos três anos pela família, ciosa do controle absoluto de suas empresas. Por e-mail, Luiz Carlos Dutra, diretor de relações institucionais da Votorantim Industrial, diz que a abertura de capital “não está nos planos da companhia”. A cúpula do grupo não concedeu entrevista a EXAME para esta reportagem.

Os tempos da gestão de Antônio Ermírio, em que o endividamento não superava a geração de caixa, fazem parte de um passado em que a competição era muito menor (e ter dívida era muito mais caro do que hoje em dia). Alavancagem e internacionalização se tornaram movimentos obrigatórios para prosperar no ambiente atual. Outros conglomerados familiares brasileiros, como Camargo Corrêa e Odebrecht, seguiram caminho semelhante.

No caso da Votorantim, o jogo é muito mais difícil do que já foi. Só em 2012, a M. Dias Branco anunciou uma fábrica de cimento ao lado da unidade da Votorantim Cimentos em Pecém, no Ceará. A Eldorado, do grupo J&F, instalou em Três Lagoas — onde fica a principal unidade da Fibria — a maior fábrica de celulose do mundo. Para voltar a ter o fôlego financeiro de antes, o desafio dos Ermírio de Moraes é realizar, no cenário atual, a mesma proeza que transformou a Votorantim em um dos mais importantes grupos industriais brasileiros — sonhar alto, mas com os dois pés no chão.

Postado em:
6 abr 2013 às 10:32hs
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